O Código de Processo Civil (CPC) prevê a possiblidade de sua aplicação supletiva e subsidiária nos processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, na ausência de normas que lhes regulem. Tal possibilidade está prevista no art. 15 do referido código, transcrito a seguir:
Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.
No entanto, a incidência de tal norma do CPC nos processos administrativos dos demais entes federados promoveu debates sobre eventual confronto a noções básicas de autonomia administrativa dos Estados, Distrito Federal e Municípios, pois não é da competência do legislador federal determinar regras para o processo administrativo no âmbito dos demais entes.
Essa controvérsia foi levada à análise do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 5.492, ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro. No acórdão resultante, os Ministros decidiram pela constitucionalidade do art. 15 do CPC, sob a seguinte argumentação (grifos originais):
A Uniao Federal, ao legislar em materia processual civil (art. 22, inciso I, da Constituição de 1988), produz norma de carater nacional, incidente em todas as esferas federativas, ou seja, tambem aplicavel fora do ambito das entidades e dos servicos federais.
No exercício dessa atribuição constitucional, a União editou o art. 15 do CPC, o qual determina a aplicacao do CPC aos processos administrativos de forma supletiva e subsidiaria, caso haja omissão legislativa.
Ao assim dispor, o Novo Codigo de Processo Civil nao revogou ou derrogou a Lei Federal no 9.784/99, a qual regula o processo administrativo no ambito da Administracao Publica Federal, ou as leis estaduais que tratem de processo administrativo em suas respectivas esferas. Nao se trata, assim, de substituicao, revogacao ou enfraquecimento das normas administrativas estaduais, distritais ou municipais.
Entendo que houve, na verdade, uma nitida ampliaço, atualização e enriquecimento das normas ja vigentes, possibilitando sua integracao, em caso de lacunas, pelas normas do CPC.
Nesse sentido, alias, e o entendimento de Elpidio Donizete, para quem,“quanto ao processo administrativo, salvo quando houver disposicao na legislacao especial em sentido contrario, (…) inexiste óbice à aplicação subsidiária do CPC” (Curso Didatico de Direito Processual Civil. 20.ed. Sao Paulo: Atlas, 2017. p. 77 e 78).
E complementa Daniel Amorim Assumpcao Neves:
“O dispositivo foi feliz em prever a aplicacao supletiva e subsidiaria, afastando-se do equivoco costumeiro de dar os fenomenos como sinonimos. Na aplicacao subsidiaria tem-se a integração da legislação subsidiária na legislação principal, resultando no preenchimento de vácuos e lacunas da lei principal. Já na aplicação supletiva as leis complementam uma a outra” (Novo Codigo de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 36).
Portanto, entendo que a questao da incidencia do art. 15 do Novo Codigo de Processo Civil ao processo administrativo estadual, distrital ou municipal resolver-se-a, em verdade, pelos criterios de hermenêutica juridica classica, tais como o da especialidade.
Não há, assim, cerceamento da capacidade de os entes federados se organizarem e estabelecerem ritos e regras para seus processos administrativos, pois a lei processual civil somente será aplicável aos processos administrativos das demais entidades federativas a titulo de complementação ou preenchimento de lacunas.
Inclusive, recentemente, esta Corte assentou que os estados e municípios detêm competência para estabelecer procedimentos e prazos distintos dos federais na seara administrativa, dentro do poder de conformação normativa que lhes foi conferido pela Constituição Federal.
(…)
Assim, uma vez que o ente federado possua legislação propria, a lei processual nacional somente sera utilizada supletiva e subsidiariamente, como expressamente determina o CPC/15. (…) Desse modo, declaro a constitucionalidade da expressão“administrativos” do art. 15 do CPC.
Ou seja, a utilização do Código de Processo Civil em processos administrativos, respeitados os requisitos previstos no CPC, é uma possibilidade garantida em lei e, inquestionavelmente, constitucional.
Tal conclusão acentua o potencial de defesa e de contraditório dos particulares/interessados diante da condução estatal nesses processos, sobretudo naqueles que envolvam complexa questão fática, que muitas das vezes ficaram limitadas aos exíguos parâmetros normativos de leis de processo administrativo locais.
Links úteis:
Acórdão do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5.492/DF. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15359905056&ext=.pdf.
Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.