A Constituição Federal estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (art. 196 da CF). Ocorre que a previsão Constitucional não é suficiente, por si só, para assegurar o desfrute satisfatório deste direito pelos cidadãos brasileiros.
Consequentemente a judicialização da saúde é tema de grande importância social, sobretudo por se tratar de ferramenta apta para viabilizar o acesso a tratamento médico adequado para todos aqueles que necessitam, seja no âmbito do setor público ou do setor privado.
Litígios que tratam do fornecimento de medicamentos e de insumos a pacientes portadores de diabetes são comuns no meio forense, sobretudo porque ainda presenciamos a resistência do poder público, das operadoras privadas e das seguradoras de saúde em disponibilizar técnicas e/ou recursos mais eficazes aos pacientes.
Neste contexto, os núcleos de apoio técnico do poder judiciário (NATJUS), que têm por finalidade fornecer subsídios aos magistrados para a tomada de decisões com base em evidência científica nas ações relacionadas com a saúde, já emitiram pareceres e notas técnicas, destacando evidências científicas sobre os benefícios, os efeitos e os resultados favoráveis da utilização do sistema de infusão contínua de insulina (bomba de insulina) por pacientes portadores de diabetes que não atingem as metas glicêmicas.
Segundo os estudos, o dispositivo propicia melhor controle glicêmico, a diminuição de episódios de hipoglicemia e de hiperglicemia, a redução do número de internações e também os riscos inerentes às internações.
Acontece que pacientes que comprovadamente possuem indicação médica para a utilização do sistema de infusão contínua de insulina (bomba de insulina) encontram resistência e/ou dificuldades de acesso ao dispositivo junto ao poder público, aos convênios médicos particulares e às seguradoras de saúde.
Frequentemente identificamos decisões judiciais obrigando o poder público (Municípios e Estados) a fornecer o sistema de infusão contínua de insulina (bomba de insulina) aos pacientes que preencherem os requisitos médicos e legais.
Já no âmbito da saúde privada, a maioria dos precedentes favorece os convênios médicos e as seguradoras de saúde. Isso porque há posicionamento judicial conservador que reconhece a legalidade da negativa de cobertura com base na interpretação da lei nº 9.656/1998 (lei federal que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde e que não obriga as operadoras e seguradoras a custearem remédios para tratamento domiciliar e órteses não relacionadas a intervenções cirúrgicas).
Nesse sentido é o seguinte precedente da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça:
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BOMBA INFUSORA DE INSULINA. INSUMO DE USO DOMICILIAR. CUSTEIO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA. 1. Mesmo após a vigência da Lei n. 14.454/2022, inexiste abuso na cláusula contratual que desonere os planos de saúde do custeio de bomba infusora de insulina e insumos, ante seu uso domiciliar. Precedentes. 1.1. A Corte de apelação condenou a agravada ao custeio da bomba infusora de insulina de uso domiciliar descrita na inicial, o que afronta a jurisprudência pacífica desta Corte Superior. Por isso, era de rigor excluir a cobertura do equipamento referido. 2. Agravo interno que se nega provimento.” (AgInt no AREsp n. 2.503.565/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 17/6/2024, DJe de 20/6/2024).
No entanto, recente decisão do Superior Tribunal de Justiça pode contribuir e ser um marco importante para a alteração deste cenário que hoje é desfavorável aos interesses dos pacientes.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que as operadoras de planos de saúde devem assegurar o fornecimento de bomba de insulina para os beneficiários diagnosticados com diabetes tipo 1 quando comprovada a necessidade do dispositivo e de seus insumos.
Para os Ministros integrantes da Turma Julgadora, além de o sistema de infusão contínua de insulina ter comprovação de eficácia médica, a Anvisa não classifica as bombas de insulina como medicamentos ou como órteses, o que assegura a cobertura deste dispositivo aos beneficiários e segurados.
Trata-se, sem dúvida, de um precedente importante que prestigia o avanço da medicina e os estudos científicos que viabilizam a melhoria dos tratamentos médicos disponibilizados aos cidadãos.
Logo, a negativa do poder público, das operadoras privadas ou das seguradoras de saúde deverá ser avaliada, caso a caso, por advogado especialista no tema e o paciente eventualmente lesado poderá buscar a proteção de seus direitos junto ao poder judiciário.