Nova decisão do STF muda regras sobre conteúdos ilegais na internet, ampliando hipóteses de responsabilização dos provedores de internet

Nova decisão do STF muda regras sobre conteúdos ilegais na internet, ampliando hipóteses de responsabilização dos provedores de internet

O Supremo Tribunal Federal (STF), em 26/06/2025, proferiu uma decisão histórica que altera profundamente o regime de responsabilização civil das plataformas digitais no Brasil. Ao julgar o Recurso Extraordinário 1.037.396 (Tema 987) e o Recurso Extraordinário 1.057.258 (Temas 533), a Corte reconheceu a inconstitucionalidade parcial do art. 19 da Lei nº 12.965/2014, o Marco Civil da Internet, entendendo que a exigência de ordem judicial específica para que provedores de aplicações de internet sejam responsabilizados por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros não oferece proteção suficiente aos direitos fundamentais.

A decisão marca uma alteração significativa no modelo brasileiro de regulação da internet. Até então, a regra geral do Marco Civil estabelecia que, salvo em casos excepcionais, como pornografia de vingança (art. 21), os provedores só podiam ser responsabilizados se, após decisão judicial, não removessem conteúdos ilícitos. O STF, no entanto, entendeu que essa exigência, por si só, enfraquece a proteção para situações em que os danos podem ser graves e imediatos — como discursos de ódio, desinformação eleitoral, apologia a crimes e ataques à democracia.

A Corte determinou que, até a edição de nova legislação pelo Congresso Nacional, o art. 19 deve ser interpretado conforme a Constituição. Com isso, a plataforma será responsabilizada civilmente pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros em casos de crimes em geral, atos ilícitos ou contas denunciadas como falsas se, após receber um pedido de retirada, deixar de remover o conteúdo.

Há, ainda, hipóteses específicas de presunção de responsabilidade, independentemente até mesmo de notificação extrajudicial, demonstrando que as plataformas devem agir preventivamente. São os seguintes casos:

 

  • Conteúdos ilícitos patrocinados ou distribuídos por redes artificiais: quando se trata de anúncios pagos, impulsionamentos ou disseminação por robôs (bots), presume-se a responsabilidade do provedor, salvo se ele comprovar que agiu com diligência e em tempo razoável para remover o conteúdo.
  • Crimes graves e de impacto sistêmico: há responsabilidade direta dos provedores quando não houver indisponibilização imediata de conteúdos relacionados a crimes como terrorismo, incitação à violência contra minorias, crimes sexuais contra vulneráveis, apologia ao suicídio, tráfico de pessoas e ataques antidemocráticos, desde que esses casos revelem falha sistêmica — ou seja, ausência de políticas ou medidas adequadas de prevenção e contenção.

 

Especificamente quanto aos crimes contra a honra, persiste a aplicação do art. 19, do Marco Civil da Internet, de forma que as plataformas somente serão responsabilizadas caso não cumpram a decisão judicial que determinar a remoção do conteúdo – o que não impede que isso ocorra apenas a partir de uma solicitação feita pelo usuário.

Quanto às ofensas replicadas de forma reiterada, se um conteúdo já tiver sido reconhecido como ilícito por decisão judicial, a replicação idêntica por outros usuários deverá ser removida por todos os provedores, mesmo sem nova ordem judicial, bastando notificação.

Apesar dessas novas possibilidades de responsabilização, o STF deixou claro que a responsabilidade não será objetiva. Ou seja, para que haja responsabilização, será necessário demonstrar que o provedor falhou de forma relevante, como ao não adotar medidas técnicas disponíveis ou negligenciar o dever de cuidado.

A decisão também indica que o art. 19 do Marco Civil segue aplicável em sua forma original a plataformas que não têm finalidade pública de difusão, como serviços de e-mail, aplicativos de mensagens privadas (como WhatsApp e Telegram) e plataformas de videoconferência, desde que resguardadas as comunicações interpessoais protegidas por sigilo constitucional.

Outro ponto de destaque é a reafirmação da aplicação do Código de Defesa do Consumidor às plataformas que funcionam como marketplaces, como é o caso de OLX, Mercado Livre, Amazon e similares. Isso significa que, em situações envolvendo fraudes, produtos falsificados ou informações enganosas, tais plataformas podem ser responsabilizadas solidariamente com o vendedor.

O STF impôs também novas obrigações de governança e transparência aos provedores de aplicações de internet com atuação no Brasil. As empresas deverão:

  • Editar normas internas de autorregulação sobre remoção de conteúdo, com previsão de sistema de notificações, mecanismos de contraditório e relatórios periódicos de transparência.
  • Manter canais de atendimento acessíveis a usuários e não usuários.
  • Constituir sede e representação legal no Brasil, com poderes para responder a demandas administrativas e judiciais, prestar informações às autoridades, e cumprir penalidades.

Por fim, para preservar a segurança jurídica, o Supremo modulou os efeitos da decisão: as novas regras passam a valer apenas prospectivamente, ou seja, para casos futuros, sem prejuízo das decisões judiciais já transitadas em julgado.

Com essa decisão, o STF traça um novo caminho para a regulação das plataformas digitais no país, em consonância com experiências internacionais e com a necessidade de maior proteção a direitos fundamentais no ambiente virtual. O Congresso Nacional é instado a atuar com celeridade para legislar sobre o tema, suprindo as lacunas apontadas pela Corte e estabelecendo um regime mais robusto para lidar com os desafios do mundo digital.

Links úteis:

https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-define-parametros-para-responsabilizacao-de-plataformas-por-conteudos-de-terceiros/

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm (Marco Civil da Internet)