A transmissão de um imóvel por herança, por si só, não retira a sua condição de bem de família, desde que ele continue sendo usado como residência da entidade familiar.
A impenhorabilidade do bem de família é uma proteção jurídica muito importante no ordenamento brasileiro. Ela não serve apenas como uma garantia patrimonial, mas como um instrumento para garantir valores fundamentais da Constituição, como o direito à moradia.
De acordo com os artigos 1º, 3º e 5º da Lei nº 8.009/1990, essa proteção impede que o único imóvel utilizado como moradia pelo casal ou pela entidade familiar seja penhorado, mesmo em processos de cobrança civil, fiscal, trabalhista, previdenciária ou de outra natureza, excetuadas as hipóteses previstas em lei.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendimento consolidado de que essa proteção é uma norma de ordem pública, ou seja, obrigatória, e só pode ser afastada nas exceções expressamente previstas no artigo 3º da Lei nº 8.009/1990. Tais exceções devem ser interpretadas de forma restrita, sempre respeitando o direito constitucional à moradia.
Quanto às dívidas deixadas pelo falecido, o artigo 1.997 do Código Civil determina que a herança responde por essas dívidas. Após a partilha dos bens, cada herdeiro passa a responder apenas na proporção do que recebeu. No entanto, essa regra não elimina a proteção garantida ao bem de família pela Lei nº 8.009/1990. Assim como o bem estaria protegido se o falecido ainda estivesse vivo, ele continua protegido após sua transmissão aos herdeiros, desde que mantidas as condições previstas na lei.
Portanto, não se sustenta o argumento de que a falta de partilha formal e o fato de o imóvel ainda estar registrado em nome do falecido impediriam os herdeiros de invocar essa proteção. A transmissão por herança não modifica a natureza do bem de família, desde que ele continue sendo usado como moradia da família.
A caracterização do bem de família depende da sua função prática — servir como residência da família — e não de questões formais como o registro do imóvel ou a realização da partilha. Assim, a simples ausência de averbação da partilha no cartório de registro de imóveis não afasta a proteção legal garantida ao bem.
REsp 2.111.839-RS, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 6/5/2025.